quarta-feira, 16 de março de 2011

Disco

Lado A

A garota dos cabelos castanhos observa atenta e despreocupadamente a rua. Seu corpo repousando sobre o sentar de índio na calçada não faz jus ao tempo que Ela já viveu. Várias pessoas por aquela rua passam todos os dias. Muitas delas já gravadas no corpo craniano de Ela. Claro, afinal dia após dia elas repetem o mesmo trajeto que as levarão ao mesmo lugar para cumprir os mesmos deveres.

Hoje, porém, ela desgrudou o fone dos ouvidos para chamar a atenção de um homem que ali passava. Com um gesto de mãos, ela conseguiu o olhar do rapaz. Após alguns poucos segundos de troca de olhares, ele simplesmente virou-se e continuou a andar.

Bom, culpa dela não era. Ela tentou avisá-lo. Afinal, quão constrangedor seria chegar a uma reunião tão bem vestido como o homem estava e ter em seus ombros as marcas do subproduto da digestão do pombo?

Lado B

O velho precoce de apenas 23 anos mais uma vez sai às pressas de seu pequeno apartamento no centro da cidade. Os passos frenéticos provocam o ‘toc-toc’ dos seus sapatos minuciosamente lustrados. Os seios da jovem moça sentada na calçada lhe tiram a concentração do discurso que tentara memorizar no decorrer de toda a semana para ser falado hoje, na reunião.

Desviando o foco, Ele percebe que a moça está tentando lhe dizer algo. E de alguma forma, aquela ser completamente estranha à maioria lhe causara imenso interesse. “Devo ir lá?”. Claro que não. O tique-taque do relógio não para, e por isso Ele deveria se apressar ainda mais para chegar ao seu destino.

Com determinação, Ele pressiona a mala de couro contra o corpo , arruma a gravata presa ao pescoço e segue seu rumo.

Pobre coitado. Como poderia imaginar que um sexto de hora seria o suficiente pra conhecer o provável amor de sua vida? Bom, não foi dessa vez.

2 comentários:

  1. 5 minutos do século XXI?


    Ou melhor, um sexto de hora.

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  2. Nós podemos medir o tempo? Como medir algo que não vemos e não tocamos, apesar de senti-lo ao percebermos o corpo definhar e a memória falhar? Mas se não medimos o tempo, o que é efetivamente medido? Em ambos os casos da crônica a pressa foi a dama de honra dos enredos. E nós, sujeitos e vítimas do "tempo" que nos foge...

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