quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Rolling Stones "Beggar's Banquet"


Não é raro hoje em dia nos encontrarmos discutindo se as coisas do passado eram realmente tudo isso e se não vale a pena dar uma chance pro que há de novo. Acho uma discussão muito bacana, mas que não cabe aqui. Comecei falando disso porque dessa vez vou resenhar um disco antigo, de 68, e que talvez ninguém esteja afim de conhecer (se já não conhece de cabo a rabo). Mas ei, é Rolling Stones. E esse disco é uma prova de que as coisas do passado, são sim, muito especiais, e nunca vão morrer - até porque sempre vai ter um Veliko pra falar sobre elas de novo. E de novo e de novo.

Veja bem, estamos no final dos sessenta quando esse disco é lançado. Na Inglaterra  e no mundo todo explodem movimentos de jovens revoltados que reivindicam, bem, sei lá o que. Os Beatles já não são mais aquelas coca-cola e novas bandas mais sombrias vem surgindo da cena underground, como Black Sabbath e Led Zeppelin. Os Stones absorveram esse cenário melhor do que ninguém para entrar numa de suas fases mais produtivas, deixando para trás ilusões psicodélicas e a velha ambição de atingir o primeiro lugar pra começar a fazer o que eles realmente queriam fazer. Blues. Músicas sobre as pessoas do dia a dia. Agora como músicos mais maduros, eles tinham de tudo pra ser os melhores bluesmen de todos os tempos. 

Nada como Sympathy For The Devil para abrir essa obra prima, né? Já mostrando que os Stones não tinham medo de ninguém, misturaram ritmos brasileiros depois de uma viagem que fizeram pra cá com uma estrutura que se parece muito com músicas de Bob Dylan. São os três acordes mais usados no rock com uma batucada maluca no fundo e uma letra com alto teor político. Pra mim, Sympathy tem uma das melhores linhas de guitarras na história do rock, o fuzz característico dos Stones é inconfundível e apesar de ser algo simples, ditou as regras das bandas subsequentes por muitos anos. Faixa clássica.

Mas como álbum bom é álbum completo, Beggars Banquet não deixa cair a peteca com a linda balada No Expectations. Nesse disco a poesia de Jaggers está muito forte e com uma baladinha dessas maravilhosa acompanhada por guitarra slide e baixo marcante, os versos soam ainda mais bonitos. Aqui se fala de uma mulher, provavelmente, em que o eu lírico abandona pra nunca mais vê-la. Porém, ao contrário das músicas dos Stones, não é machista e até se mantém um certo respeito por essa mulher misteriosa que o deixou sozinho. A perfeição da música se encerra numa belíssima linha de piano que te faz enxugar as lágrimas pra partir adiante nessa viagem.  Até que ouvimos a voz de ninguém menos que Keith Richards e então nos sentimos em casa. Dear Doctor é puro blues e puro Rolling Stones. Tem gaita, tem violão de aço, backing vocals que parecem estar bêbados e aquela letra sacana de sempre.

Parachute Woman é um blues cadenciado com gait como já conhecemos. Parachute woman, will you blow me out? Pergunta Mick Jagger. Não, ele não tá falando sobre mudar o mundo nem sobre submarinos amarelos, só sobre alguma mulher com quem ele dormiu na noite passada. É esse o tipo de sinceridade e deboche que depois inspiraria tantos poetas das nossas vidas como Iggy Pop, David Bowie, Lou Reed, a fazerem músicas sinceras sobre a vida. Não sobre coisas intangíveis. Uma tarde na rua, jogando quebra-cabeças, antes da chuva cair, você prefere? Beggars Banquet também tem uma música sobre isso. Tão deliciosa que soa muito bem como só esse disco consegue soar. Pessoas estranhas passam na rua num típico cenário urbano e tudo o que ele quer é jogar seu joguinho. Até há uma brincadeira com a própria banda nessa letra, quando ele diz, por exemplo, And the bass man, he looks nervous, about the girls outside. Falando em Bill Wyman, só tenho a dizer que, como baixista também, os graves desse disco são maravilhosos, desde Sympathy com sua linha cheia de groove até algo mais melódico em No Expectations e nesta Jigsaw Puzzle. Parabéns, Bill.

Agora, num momento mais ambicioso no sentido poético da banda, há o clássico Street Fighting Man. Como disse Jagger uma vez, nessa canção ele se viu como um jovem inglês trabalhador que sai em um protesto pelas ruas de Londres. A falta de perspectiva da sociedade dessa época pela parte da juventude é refletida nessa poesia, que diz que nessa cidade dorminhoca não há lugar para um cara que briga nas ruas. Algo como, pegue um trabalho e se acomode com isso até a sua morte. Bom, revoltas a parte, há de se comentar que os Stones nunca passaram por isso até porque são rockstars que vivem a vida mais legal do planeta, mas de qualquer modo fica uma tentativa de captar toda essa angústia jovem de quem olhava de perto todos esses acontecimentos. Uma música clássica que ficará para sempre entre as nossas preferidas.

Prodigal Son, a próxima faixa, é um cover de Robert Wilkins, e que faz parte da mania chata deles de colocar blues desconhecidos em tudo o que fazem. De qualquer forma, é uma música divertida. Mas boa boa mesmo é Stray Cat Blues, Charlie Watts dá as suas caras com o chimbal sempre inquieto e aquela sua batida peculiar. Diz Jagger que a música foi inspirara por Heroin, do Velvet Underground. Não sei se parece muito, uma guitarra distorcida realmente lembra, mas são duas músicas muito boas que valem a pena serem ouvidas por todo mundo que curte um bom rock n roll. A letra conta a história de um homem que dorme com uma novinha de 15 anos e diz que não é crime capital hahaha. Realmente, não dá pra esperar que os Stones não escrevam uma música sequer sobre sacanagem.

Mostrando a vertente folk da banda, temos Factory Girl, quase encerrando o disco. A percussão esquisita tá lá também, mas quando você tá curtindo o som, ele já acaba, porque só são dois minutinhos. Pra fechar com chave de ouro o álbum Beggars Banquet (e essa resenha também), Jagger e sua turma nos presenteiam com Salt Of The Earth. Novamente, uma linda balada, que infelizmente ficou de fora da memória da própria banda pra incluir nos seus repertórios (assim como muita coisa desse disco), o vocal de Richards se sobressai numa ode aos trabalhadores comuns do mundo. No fim há um coral de negonas repetindo os versos num feeling de matar que te faz acabar a audição com um sorriso no rosto. Embora na música o povo comum seja exaltado, não há de forma alguma uma intervenção social que proponha uma mudança nas suas vidas. Nota zero na redação do ENEM pra eles. Mas enfim, fossem lá quais suas intençôes escrevendo essas letras mais sociais. temos de admitir que nos renderam ótimas canções que permanecerão eternamente como fonte de discussão e porque não, prazer.

Por isso mesmo, dê uma pausa no teu Black Keys ou Tame Impala e volte cinquenta anos para um tempo onde ainda havia espaço para instrumentos reais e poesias reais, onde o feeling estava no primeiro lugar. Um salve ao Rock N` Roll!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Quando vamos nos deitar, é fácil perceber como a vida é curta. Recapitulamos tudo o que fizemos e começamos a entender que falta muita coisa a fazer. Quando acordamos, parece que tudo isso fica pra trás e não tomamos conta de quanto tempo perdemos. Não que dormir seja uma perda de tempo. Pelo contrário: é muito prazeroso, e tudo o que nos dá prazer com certeza não é uma perda de tempo. Podíamos passar a vida nos distraindo. Mas quando tentamos, uma moça bonita passa pela calçada e ficamos debruçados sobre a janela, esperando ela passar de novo. Passa dia, passa noite. E nenhum sinal dela. Enquanto isso, milhares de pessoas passam ao nosso redor – algumas até falam conosco -, mas não damos bola. Só porque é muito mais cômodo pensar em uma só coisa, mesmo que essa coisa não venha nunca. É claro que, inclusive nós sabemos disso, se ampliarmos nossas apostas para umas mais fáceis, nos livramos de uma possível frustração. Mas é sempre a mesma coisa: estamos nos frustrando dia após dia. E não, eu não vou tentar diagnosticar nossa doença, muito menos propor uma cura. Simplesmente porque nós somos assim. Não por uma determinante natural, por algo de nascença... Também não tem nada de especial nisso. Mas então, posso voltar pra nossa rotina, como comecei. Posso falar que escovamos os dentes, tomamos banho mesmo quando é de manhã e tá frio pra caramba, vamos pra escola sem a mínima vontade de aprender, comemos a comida que tá na mesa: e pronto. Que beleza, podíamos até tentar um parágrafo novo. Mas vamos insistir nesse mesmo. Podíamos ter deixado isso oculto, pra que alguém entendesse depois. Agora vocês estão até escrevendo comigo! Não preciso explicar pra ninguém. E isso poderia ficar oculto, de novo. Vamos ficar brincando de procurar o Wally, então, que é melhor. Mas agora deixa eu dizer pra vocês (e isso eu digo sozinho, tudo bem?): por que só um? A vida é muito curta pra apostarmos todas nossas fichas em um só cavalo. Não diria também pra simplesmente jogar o passado pra trás: às vezes o passado é a melhor matéria prima pra se escrever um texto como esse. E eu estou preso no passado. Minha menina dos olhos ainda não deu as caras na minha rua. Escrevo porque gosto. Porque gosto que as pessoas leiam. Dessa vez pedi uma mãozinha pra esse aqui, e provavelmente está tão ruim quanto os outros. Mas se trata de um exorcismo. Se escrever não tem esse poder, então não sei mais em que acreditar. E talvez eu esteja sendo radical demais. Talvez só precise ir deitar, rolar na cama por algumas horas recapitulando toda minha vida. Sonhando, vendo ela passar pelos meus sonhos. Guardando toda a dor do mundo... O vento passou pela janela, só Carolina não viu. Afinal, quem quer ser Carolina?

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Voltando a terras desconhecidas (da fotografia)

O que pode tornar fotos amadoras em fotos mais interessantes do que realmente são? Uma câmera analógica com lente olho-de-peixe talvez seja a resposta. Pelo menos qualquer porcaria assim em uma câmera de celular não ficaria tão legal. Ou pelo menos o processo de fazer essas imagens não seria tão divertido. Sintam a diversão (hehe):




Talvez você só queira retratar um passeio noturno em cima da sua bicicleta, invadindo o jardim do vizinho para bater foto de uma árvore bonita ou mesmo da sua caixa de cartas... ou simplesmente eternizar a batata frita com as irmãs:





Não precisa ser pretensioso, não precisa nem sair de casa. Dar uma olhada nas coisas que tem na sua sala mas que você não dá muita atenção. Com certeza, seus cliques darão:




Enfim, tirar fotos é muito legal. Ainda mais quando você tem que ficar esperando por alguns dias pra ver como elas ficaram. Isso meio que valoriza o que você fez, por mais que o você tenha feito não seja grande coisa. Tenho certeza que pra alguém terá! Tirando o fato de que abrir sua gaveta depois de anos e descobrir essas coisas é simplesmente apaixonante. Fotografias nunca morrem! E vamos fazer mais imagens (só falta a grana).

E mais uma foto bônus:

domingo, 21 de outubro de 2012

Grizzly Bear "Shields"

Não, o Veliko não se tornou um blog hype que faz resenhas porcas como muitos por aí. É só que, quando a gente ouve um álbum muito bacana, não tem como não sair falando por aí sobre o que ouviu. E é isso que venho fazer aqui, simplesmente. Mas sim, Shields é um álbum recente de uma banda novinha que me surpreendeu bastante. Muitos taxam o Grizzly Bear como folk. Eu não acredito nisso. Sempre desconfiei desses rótulos que a mídia alternativa impõe sobre algumas bandas. Geralmente, é pompa demais pra coisa pouca, e diminutivos para obras-primas. Shields é uma obra-prima. Não do folk. Da música contemporânea - ou pelo menos desse ano, vamos lá!

Aqui você não vai encontrar o indie manjado que já deu o que tinha de dar nos últimos anos. Logo quando iniciamos a audição do disco, isso fica bem claro. A banda apresenta uma fineza instrumental de primeira classe, a batida da bateria nos leva de um lado pro outro, aliados às guitarras fantásticas, bem simplesinhas. E entram os vocais. Desculpem-me mas não sei identificar quem é o vocalista em cada música, já que dois integrantes se revezam no microfone durante o álbum e eu não sei os diferenciar. Mas ah, os vocais. Arrastados, sentidos. Você sente quem quer que esteja cantando ali, está cantando de dentro pra fora. As letras, com seu lirismo dramático, ajudam a compor a atmosfera. E as seguintes palavras fecham a primeira faixa, Sleeping Ute, dando-nos um belo exemplo dessa vibe: And I live to see your face/
And I hate to see you go / But I know no other way / Than straight on out the door.

A beleza real vem agora. Com a linda canção Speak In Rounds o quarteto nova-iorquino nos mostra todo o seu poder. Inicia de leve, a bateria entregando uma batida firme, o violão entra e a música vai tomando grandeza. Até que desabrocha em um lindo refrão com guitarras em phaser e uma levada deliciosa que envolve o ouvinte em um encanto mágico que só o Grizzly Bear pode fazer. Pronto, você já está cativado. Agora é só curtir as outras pérolas que estão guardadas pra você no álbum. Mas antes, por que não um instrumental rápido de um minuto, só pra esquecer da canção anterior e descobrir uma mais linda ainda? Yet Again é uma história de amor: a carga emocional fica cada mais pesada e o Urso Cinzento se liberta em um refrão lindo, delicioso, gostoso, maravilhoso, tudo isso e mais um pouco. É bonito ver como por baixo da delicadeza, do instrumental minimalista, há uma camada de leveza pop que pode explicar o porquê desse som ser tão bom.


O piano dedilha enquanto o vocalista executa uma linha melódica à Thom Yorke numa balada simples, The Hunt, boa de ouvir quando estamos naquele momento melancólico. A sonoridade começa a ficar mais arrastada, o álbum perde a cadência e você se encontra em um mar, sozinho. Até seria maravilhoso ficar eternamente boiando nessa água fria. Mas uma mão estendida vem ao nosso encontro. Nos leva a uma onda de otimismo, não dá pra ficar nessa tristeza pra sempre. E mais um ponto positivo pro álbum: sua consistência não é homogênea, seu som nos leva mas depois nos trás de volta também. A Simple Answer é exatamente isso: a melodia vai crescendo, a levada vai te levando junto com ela. Com certeza um dos pontos do álbum, especialmente no fim da música, quando ouvimos "No wrong or right /Just do whatever you like", parece uma libertação de espírito que acontece em cadência lenta, até nos abandonar e deixar-nos andar com as próprias pernas. Você consegue?

Se sim, pode aproveitar uma das maiores viagens atmosféricas do disco: What's Wrong. Talvez seja uma canção sem muito apelo como as outras, alguns podem a considerar mais experimental. Talvez. É o tipo de canção que se encaixa perfeitamente em um certo momento, e que novamente me remete a Radiohead. Os teclados surgem por trás enquanto a bateria, pra mim um ponto alto da banda, continua com sua batida hipnótica como faz em praticamente todo o disco. Como já é de praxe, o piano dedilha belas notas em um fim tristinho, todo solitário, até que alguns metais entram pra finalizar a canção. O que What's Wrong não tem de apelo, Gun-Shy é o grude em forma de música. Os dois vocalistas principais ficam se revezando deliciosamente em uma melodia pop até o talo, mas que não tira a delicadeza do grupo. Pelo contrário: só acrescenta ao que já tem de bonito e depressivo ali. Afinal, tudo que é excessivamente bonito nos trás um pouco de melancolia, não é verdade? Talvez essa oitava faixa traga um pouco desse sentimento ao ouvinte. É tão gostosa, viciante, a poesia sussurrada nos nossos ouvidos nos derrete ainda mais e querer ouvir a mesma música dez mil vezes. Bom, eu fiz isso.


Os caras são tão boiolas que incluem até um cello no início de Half Gate, a penúltima música do álbum. Nada que você já não esteja acostumado se está levando Shields a sério: é uma balada simples que explode em um momento sombrio que nos dá dúvidas se estamos falando de algo bom ou ruim. Mas como os Grizzly Bears não são bestas, eles logo abrem a cortina do seu quarto e trazem a luz do sol de volta pra sua vida. Esse vai-e-volta, entra-e-sai dos momentos ensolarados e sombrios é que fazem a audição do disco ser tormentosa. Você não consegue se decidir se é pra triste ou satisfeito. Ok, você ainda tem sete minutos pra se decidir enquanto ouve a belíssima Sun In Your Eyes (aliás, a banda não tem medo de se alongar enquanto expõe sua depressão). 

É um som intimista, mas que não fica preso ao artista. Pode - e deve - tocar o ouvinte. Não precisa desvelar muitos cobertores pra chegar na essência do Grizzly Bear: eles te entregam a fórmula rápido. É só relaxar, pensar na morte da bezerra, aceitar o som do piano, da bateria, do baixo, da guitarra. E principalmente da voz. Pode crer que a banda fez esse álbum com muito carinho e esmero, todo detalhe é pouco ao que compõe a sonoridade inteira de Shields. Um disco pra ouvir com atenção, diferente de muita besteira comercial que podemos chamar de indie rock atualmente.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Tame Impala "Lonerism"

“And I know there I gotta be above it, now”


Filtrozinho básico de Instagram
Abrindo com esses versos, estamos adentrando numa atmosfera de solidão e melancolia em um dos discos mais interessantes desse ano. Depois do aclamado “Innerspeaker”, de 2010, que inclusive foi resenhado aqui no Veliko, a banda australiana Tame Impala nos presenteia com seu esboço de álbum conceitual chamado “Lonerism”. Esboço, sim, porque não dá pra definir claramente o que esses malucos do novo rock psicodélico quiseram dizer com esse disco. Você pode ouvir até o final e ficar com muitas perguntas na cabeça. Uma delas será com certeza: “Afinal, eles conseguiram superar o que já era quase perfeito?”. Vamos dar uma volta antes de responder a essa pergunta.

Primeira coisa: o Tame já não é mais o mesmo de dois anos atrás. Sim, eles atingiram um marco com um álbum excelente nas costas, aclamados pela crítica e pelo público, fazendo vários shows nos principais festivais pelo mundo. Então, é óbvio que essa carga adiciona (ou toma de volta) muita coisa de um artista. Kevin Parker que o diga. Gravou um álbum praticamente sozinho e agora tem uma banda – ainda maior, com o advento de Jay nos teclados e um novo baterista no seu lugar – a ajuda-lo nas composições e arranjos em geral. E muitos vão tomar um susto, pois as guitarras com seus efeitos característicos dão um descanso nesse álbum pra dar lugar a camadas e camadas de sintetizadores. Sim, o som light e viajante da banda agora está denso, às vezes cheio demais, até.


Esse é o cara!
Mas como Tame é Tame, os caras usam e abusam de efeitos – até na bateria! A primeira canção, Be Above It, causa estranheza com sussurros no fundo e uma batida hipnotizante que camuflam uma linda melancolia, como nunca antes vista em uma faixa da banda. E o álbum segue quase todo nesse clima nas melodias grudentas que expõem uma verve intimista que já era familiar aos ouvintes em Solitude Is Bliss, do álbum anterior. Aos fãs da sonoridade clássica de Kevin Parker e companhia, a faixa seguinte Endors Toi é talvez a mais próxima do Tame de 2010. Guitarras predominando, com efeitos de sobra, vocal John Lennon cheio de reverb, e um Jay pirando lá no fundo. Aliás, preste atenção no tecladista em quase todo o álbum. O cara é insano.

Pra quem gosta dessa vibe do Inner, dá pra curtir a excelente Music To Walk Home By, que casa perfeitamente a sonoridade das guitarras com os sintetizadores, os vocais ecoando por trás. É uma música pra ser ouvida várias vezes, até que se percebam todos os detalhes. Mas, (in)felizmente, essa liga dura pouco até as próximas músicas. As guitarras simplesmente desaparecem e temos uma predominância quase que completa pelos teclados, a batida regular da bateria enquanto Kevin canta versos repetitivos como Why Won’t They Talk To Me. É um lindo tema mesmo, alguém se desapegando das outras pessoas para se tornar um completo solitário. “But I don’t really care about it, anyway”. Atenção para a próxima faixa, um genuíno reggae psicodélico com uma linha de baixo inspiradíssima (assim como em todo o álbum, os graves marcam presença), Feels Like We Only Go Backwards. O refrão gruda na cabeça, cuidado.

Aliás, eu pulei algumas músicas. Só pra não passar batido, Mind Mischief é simplesmente uma decepção e a música mais fraca do álbum. Entra com um riff interessante que logo desempolga pela sua repetição ao longo de três minutos. Dispensável. Boa mesmo é Keep On Lying, que apesar de uma estrutura simples e repetitiva, com criatividade os instrumentos vão entrando e pedindo cada vez mais a sua atenção pra culminar num instrumental elaborado ao som de alguns diálogos ao fundo (Pink Floyd?). Uma característica de Lonerism é que, diferente do Innerspeaker, o disco não deixa cair a peteca e te faz ouvir até o fim sem maiores complicações (alguém falou em Jeremy’s Storm aí?). Até a curiosa She Just Won’t Believe Me é interessante, mesmo que Kevin Parker repita a mesma frase por um minuto daquele jeito que só ele sabe fazer. 


Quero ver tocar Lonerism ao vivo...
Depois de falar de quase todas as músicas, deixei um espaço reservado pra comentar das duas melhores músicas do álbum, ouvidas exaustivamente antes de a obra completa ter vazado na internet. Sim, falo de Apocalypse Dreams e Elephant. A primeira é levada pelo piano quase-Beatles, apresentando camadas densas e refrão poderoso, explora os vocais agudos de Kevin Parker e a nova instrumentação da banda, agora mais complexa. A segunda, então, já entrou no hall de clássicas junto de Solitude Is Bliss e Half Full Glass Of Wine, com sua linha penetrante de baixo que demonstra um peso até então nunca antes sentido no som do Tame Impala. E o miolo, épico, conduzido pelo órgão de Jay e as guitarras em coro de Dominic e Kevin? Simplesmente uma das melhores coisas produzidas nos últimos tempos.

E então temos o fim do álbum. Tristinho, melancólico, pra baixo, deprê. Depois de passar por todos os canais interiores da solidão, o ouvinte desbanda num caminhar sozinho, na praia, rumo à completa isolação. As pessoas falando lá no fundo, mas você não liga. O que importa é seguir em frente, você já renunciou tudo aquilo o que as pessoas amam tanto. Você pode ser feliz mesmo não tendo ninguém. Talvez, por baixo do atmosfera misantrópica do disco, temos uma mensagem de esperança em Sun’s Coming Up (uma faixa inglesa demais para uma banda australiana). Guiada apenas por piano e voz, é praticamente uma mão amiga pra se chegar ao fim de uma jornada de cinquenta minutos que é ouvir Lonerism. Voltando à pergunta inicial, se “Lonerism é melhor do que o Innerspeaker”, realmente, não é. Trata-se de uma obra bem menos sólida, apesar de ter um conceito mais definido, o que pode ter causado dificuldades na concepção do disco. Mas isso é difícil de afirmar. O importante é que ao invés de se acomodar e fazer cover de si mesmos, os australianos decidiram dar um passo a frente. E isso é muito positivo. Mesmo que seja um passo solitário. A gente vai estar lá do lado. 

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Caetano Veloso "Álbum Branco"


Nada melhor do que ouvir música de manhã, ainda mais quando é um lindo álbum do Caetano Veloso. O “Álbum Branco” dele, nada tem a ver com o famoso “White Album” dos Beatles, mas se a questão é qualidade musical, os dois transbordam disso. Depois de passar um tempo no xadrez, Velô resolveu gravar junto com o ilustre Gilberto Gil (no violão) algumas músicas num estudiozinho de Salvador, onde estava confinado após alguns problemas com o nosso governo totalitário da época. Nada melhor para quem faz arte, um pouco de contrariedade... E Caetano escreveu algumas de suas melhores músicas em uma obra de arte completa, que vai fazer você sorrir no fim.


A dupla dinâmica
Abrindo com “Irene” de uma forma inusitada, quando a música pára do nada pro Caetano falar naquele sotaque de bahiano que o Gilberto tinha esquecido de cantar... E a música começa de novo. Um fato curioso, que não sei se foi proposital ou não, mas ficou legal. A música em si é muito bonita, com a orquestragem de Rogério Duprat dando o acabamento na bela poesia que fala sobre uma mulher, e a saudade do eu lírico por ela. Será Caetano na cadeia com saudade de sua irmã?


Após esta música, vem uma canção em inglês, “The Empty Boat”, que fala de dois temas que me fascinam e se repetem ao longo do álbum: solidão e o mar. É como se Caetano estivesse deslocado, expressando seu desolamento, e talvez o de outras pessoas, “from the east to the west”. Engraçado como a poesia de Veloso não perde a força quando é escrita em inglês (apesar de ser mais simples, o que casa com sua fluência na língua e dá um efeito interessante, na minha opinião). A próxima faixa, “Marinheiro Só”, dá continuidade ao que acredito ser o “conceito” do álbum, misturando ainda uma canção popular. Muito bacana.


“Lost In The Paradise”, mais uma letra em inglês (que eu não entendo muito bem), é mais uma das boas do disco. O animado hit carnavalesco “Atrás do Trio Elétrico” é uma das poucas músicas felizes da obra, que acabaria destoando do resto se não fosse a roupagem de Duprat que traz a guitarra distorcida pirando e uma sessão rítmica afiada. Talvez fosse mais sensato ir logo para “Os Argonautas”, linda música em que Caetano parafraseia um general romano (corrija-me se eu estiver incorreto) com a frase “Navegar é preciso, viver não é preciso”, que em português toma uma dimensão ainda mais reflexiva (repito, corrija-me se eu estiver incorreto).


Se não podia ficar melhor, temos na abertura do segundo lado a bela (e parnasiana?) música de Chico Buarque, “Carolina”. E Caetano resolve cantar em italiano em “Cambalache”, em uma letra que só consigo entender a parte que ele fala de Ringo Starr e John Lennon. “Não Identificado”, na minha singela opinião, é a música mais bonita do álbum e uma das mais bonitas já escritas em todos os tempos! (Olha minha pretensiosidade). Se existem tantas canções de amor por aí, para quem escreve sobre amor a repetição deve ser evitada. E é justamente o que essa música traz, uma novidade no jeito de se falar de amor, ironicamente falando de falar de amor. Simplesmente linda e tocante, me arrepio todo quando ouço (e se você tem coração, provavelmente vai se arrepiar também!). De tabela, mais uma balada de amor em “Chuvas de Verão”, que se trata de trazer a dor no peito, de amores do passado.. A tropicália se manifesta na faixa “Acrílico”, interessante, cinematográfica, a mais experimental do álbum (talvez a única).


Caetano poderia navegar o mundo inteiro, os setes mares, ir a todos os cantos do mundo, mas ainda assim se sentiria sozinho em sessenta nove. E graças a Deus ele resolveu gravar alguma coisa, pra me deixar feliz em manhãs de sol (ou chuva). É lindo como seres humanos sentem e cantam, tudo numa coisa só, e fazem outros seres humanos cantarem junto. Para terminar, na última faixa, “Alfomega”, temos um desafio a nossa racionalidade... Afinal, nós não sabemos nada sobre a morte. Nem o próprio Caetano. Justamente!


Desculpem-me se essa resenha ficou grande, ainda maior do que a anterior, mas esse álbum merece. Um abraço!

domingo, 13 de maio de 2012

Os Mutantes "Jardim Elétrico"


Os Mutantes são uma banda muito conceituada no Brasil e no mundo, seja pela comparação aos Beatles (desmedida em certo ponto) ou à importância de suas composições que ainda vigora até hoje. Com sua discografia em mãos, resolvi conhecer um pouco mais a banda e fui ouvir o disco “Jardim Elétrico”. Se você já conhece a sonoridade do grupo, não vai se surpreender com o álbum: é psicodelia e deboche puro. 


Os Mutantes em Paris, onde gravaram o álbum em 71
A primeira faixa, “Top Top”, já entra com um instrumental enlouquecido (a bateria, principalmente, é bem frenética), e uns vocais agudos bem irritantes. A letra, fala de amor, como quase todas as poesias da obra. Aí depois o disco dá uma desacelerada, com “Benvinda”, que não é nada demais. Uma música realmente bonita e bem-feita, que possui um espírito muito Beatles, é “Technicolor”. Os instrumentos parecem estar sendo tocados pelo próprio Fab Four (essa foi a impressão que me deu), e o arranjo vai fazer você pirar, com certeza, é um dos momentos altos de inspiração dos Mutantes no álbum. 


“El Justiciero” é outra canção que merece destaque, com letra em inglês e em espanhol e um violão de Sérgio Dias de arrepiar, é uma música de detalhes e esmero, revelando que a veia latina dos paulistas é ainda mais abrangente. Há ainda outras faixas divertidas como “It’s Very Nice Pra Xuxu” (com referências a outras músicas dos Mutantes) e “Portugal de Navio”. De volta a uma vibe meio Beatles, temos “Vírginia”, que é uma bela canção de amor, com um bonito solo de corneta (ou algo parecido).


A capa do álbum, toda sessentista!
De resto, Os Mutantes garantem muita psicodelia “em tecnicolor” com seu instrumental afiado na faixa “Jardim Elétrico”. Um fato curioso é que a banda parecia muito preocupada com a sonoridade do álbum, buscando recursos eletrônicos comparáveis aos discos mais modernos da época, com viagens em “3D” e um som de guitarra bem ousado. Um dos momentos mais bonitos da guitarra é na música “Lady, Lady”, com um solo lento, poucas notas, bem no sentimento. Ainda possui uma flauta inusitada. Aliás, alguém reparou alguma semelhança entre o início de “Saravá” e a música “Billy Jean”, do Michael Jackson?


Por fim, em inglês, a música “Baby”, que ficou famosa na voz de Gal Costa no álbum “Tropicália ou Panis Et Circenses”. Talvez a poesia não fique tão forte quanto em português, com as rimas doidas de “margarina, gasolina, Carolina”, mas ainda está boa na voz de Rita Lee, que é uma bela intérprete. No fim das contas, o disco “Jardim Elétrico” deixa muito satisfeito quem esperava boa música, seja ela brasileira ou inglesa, já que para os Mutantes não há fronteiras. Na mistureba que é a sonoridade da banda, vale tudo! E vale muito a pena conhecer mais esse álbum da banda.

Alguns links de outros blogs para você baixar o álbum: Clique aquiaqui ou aqui!