quarta-feira, 1 de junho de 2011

Tela Verde

Este homem estava sentado – Uma hora ou duas de atraso, talvez – Naquela cadeira de escritório. O ambiente seco, cinza, exalando fumaça e preocupação. Suas mãos e pernas cruzadas, a balançar, a demonstrar o que não deveriam.
- Senhor, é a sua vez – Disse a mulher insinuante que passara despercebida aos olhos daquele homem. Nervoso. Hesitante. “Eu quero voltar” Pensara mil vezes. Não era mais possível.
Entrou na sala seguinte. Apesar de concentrado em sua suposta função ali, ainda obteve tempo para a sua mente esvair-se por segundos em uma bela paisagem onde esteve uma vez – Montevidéu, Berlim, Paris? Não lembrava ao certo, mas seus pés trilhavam caminhos cuidadosos, direito em frente do esquerdo (tradições arraigadas da infância, inesquecíveis e ainda hoje praticáveis) Para, quem sabe, conseguir alguma sorte extra, e disso ele lembrava bem. Da sua forma esperançosa e falha de segurar-se e assegurar-se numa espécie de destino, para justificar seus passos, sendo eles certos ou errados, apenas para, você sabe, aliviar a tensão da culpa de qualquer passo dado acidentalmente em falso. Tentou, pois, imitar seu costumeiro ritual – Pé direito em frente de pé esquerdo, o caminho até a poltrona da sala principal ia se formando e sua mente voltando ao local.
- Então, senhor – Pigarreou o homem de terno preto, gravata em tom pastel personalizada com um logo – Uma nuvem, uma cruz, um espelho, o oceano, desenhos tribais. Aquele logo parecia funcionar mais como uma tela verde, daquelas da qual se projeta a imagem desejada. E o desejo daquele homem atento se materializava naquela gravata – Uma nuvem, uma cruz, um espelho, o oceano... O que seria afinal?
- Vejo que o senhor se distrai facilmente... Já haviam me dito.
- Desculpe senhor. Não mais o farei – “Mente centralizada, por favor.” Falou para si.
- Não sei o que houve de errado da vez passada. Saiba que ainda há tempo de retratar-se. Porém, tenha cuidado. Você consegue as coisas pelo seu mérito.
- Tudo bem, senhor. – Limitava-se a falar o obvio, mas sua mente se transportara para os seus truques de sorte e sua crença no destino. Que mérito era esse? Negava-se, continuava a negar a culpa de passos em falso.
- Não pensa que eu não sei sobre você. Referências são fáceis para mim. Perceber características é fácil para mim, afinal, esse é o meu trabalho.
- Empáfia. - Falou baixinho o homem hesitante. Foi possível para o melhor trajado ouvi-lo. Disse então em indiretas, as sobrancelhas arqueadas:
- Se vens até mim, é porque sabes da minha capacidade. Mas não te entregues à mão da predestinação, rapaz. Essa é uma filosofia um tanto quanto comodista dos homens. Não seja tão Calvinista, é tudo tão obsoleto nessas tentativas falsas de vocês em justificarem-se. – Parou por um momento o discurso e encheu de ar os pulmões. Fitou o humilde homem, assustado com tamanha coerência em suas palavras, e finalizou:
- Outra chance lhe é dada. Aproveita e não descansa teu corpo e tua mente. Vai atrás do que queres e não te escondas atrás destas falsas ideologias, mitos confortáveis. És homem, raça dita racional. Não seja passional, portanto. Afinal, a vida é só uma não é mesmo? – Meio sorriso e ironia tomavam os mínimos timbres de voz daquele homem. Estendeu imediatamente a sua mão direita ao ser rebatido e indefeso que deixara jogado ali à sua frente, com a mente a vagar nesses oceanos de sorte e destino.

Uma ida a um psicólogo praticante da terapia de choque? Entrevista excepcional de emprego? Encontro com Deus? Viagem no tempo? Preparação para uma outra encarnação? Usem a tela verde, amigos.

3 comentários:

  1. Gostei muito de teu estilo de escrita. Subjetivo e nada mastigado. Parabéns.

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  2. Um texto criativo, original, bem escrito, reflexivo, gostoso de ler e cheio de subjetivismo. São poucas as coisas, hoje em dia, que se pode dizer que é de boa qualidade, esse texto é uma delas. E eu não sou um novo leitor do Veliko Valovi, só porque a Maíra é minha amiga, é também porque eu ainda não vi nenhuma pessoa da nossa faixa etária escrever tão bem quanto a Maíra.

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  3. HAHAHAHAHA Claro que acredito no seu exagero, Salim.

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