quinta-feira, 7 de julho de 2011

Quatro Paragráfos

Observando a poça d'água iluminada, mascando chiclete de morango, não estava ninguém, porque não tinha ninguém na rua. Em uma quitinete, sentada na beira da janela, aí sim estava alguém - sem roupas, aliás  - uma mulher chamada Maria. Mas ela não tinha nada para falar, então não pode-se falar nada sobre ela. Em uma casa no subúrbio, uma mãe pega o filho fumando sentado na privada. Talvez isso renda mais um paragráfo, ou dois, quem sabe.

Mal sabia tragar, o menino, mas a mãe fazia questão de fazer frango com batatas todos os dias, ao invés de cozido de carne, como pedia o filho. Infelizmente, de pequenas divergências é que se encontram agulhas no palheiro, enquanto pêlo em casca de ovo, que é bom, nada. O cigarro era ruim, a velha gorda gritando pior ainda, mas a sensação de poder voar como urubu em pleno céu do Ver-O-Peso era algo que o menino adorava: não que ele quisesse isso para o resto da vida, mas fazia questão de ler obras de Oscar Wilde todas as sextas-feiras.

Um negro sujo fedido e violento comia pão com ovo na esquina da Braz de Aguiar com Doutor Moraes enquanto um casal fazia amor até doer em um quarto escuro localizado no filtro do menino que fumava na privada da sua casa no subúrbio. Se a localização de subúrbio é do interesse de alguém, esse interesse está além até mesmo da sabedoria de Cícero, embora esse filósofo seja bem cultuado nos dias de hoje.

A expectativa era grande, e maior ainda é a expectativa de uma incoerência após uma vírgula, seja aqui, ou a milhas de distância do olho do urubu que voa sobre o Ver-O-Peso. Mas o que ninguém esperava, de verdade mesmo, era que aquele negro sujo fedido e violento comedor de pão com ovo um dia seria o homem que concertaria a bicicleta do menino que fumava na privada. Como os dois foram se encontrar, é uma resposta que está guardada dentro do filtro de um cigarro alheio, assim como um casal fazia amor dentro de outro filtro, porém de um cigarro conhecido, e já citado, aliás. 

Um comentário:

  1. Tá aprendendo, Pratagynho. O texto tá bem interessante, gostei do jeito que foi escrito, especialmente porque está diferente do jeito que costumas faze-lo. Parabéns!

    ResponderExcluir