segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Apartamento

As poucas caixas de papelão abertas cheias de coisas velhas dentro davam o tom da situação em que se encontravam os dois rapazinhos recém-chegados. Era um apartamento pequeno, a pintura nas paredes parecia datar de anos atrás, as janelas e as portas mal abriam direito (e quando, com um barulho de se fazer ouvir no prédio todo), a cozinha estava cheia de baratas e osgas caíam do teto a torto e direito. Tudo era desgastado, menos a vontade de viver. Lucas havia vindo para a capital estudar em uma grande faculdade, e Rafael estava lá para tocar uma loja de discos do seu amigo. Mal conheciam a cidade, e cada detalhe, por mais banal que fosse, se tornava apaixonante.

A vista da janela era simplesmente sem graça, e não tinha nada pra olhar, só fumar mesmo. Lucas trouxe um whisky antigo roubado dos pais para comemorar a liberdade, a onda branca de alegria, o arrepio na nuca. Um toque descuidado de Rafael, e a bebida balança no copo com os gelos rebolando. É preciso muito jogo de cintura mesmo pra não parecer outra coisa quando só se pode mostrar uma coisa em certas situações. Ou o tempo todo. Cigarros e álcool, a noite chegando, e o zumbido da vida lá fora parecia ficar mais alto a cada hora. Sem tempo para a euforia de dois meninos, olhando um para o outro, e olhando pra casa.

Daí o sonho acaba e vem aquele flash, aquela lembrança instantânea sobre responsabilidades que todo mundo que se acha alguma coisa não gosta de ter. Ou o contrário, Lucas ainda iria descobrir isso. Rafael ficaria só lendo livros mesmo, beijando Madame Bovary no colchonete furado cheio de traça na cabeça. O primeiro dia ia muito bom, músicas rolando no Stereo e fumaça de cigarro pela casa inteira. Na hora de escovar os dentes, teriam que dividir a mesma escova, mas isso era um prazer até meio que fraternal. Completamente, na verdade. Apesar de não serem parentes, não se importavam de se verem nus, afinal, toda nudez há de ser admirada.

Danem-se os gêneros, vamos ouvir um pouco desses dois rapazes tocando violão e cantando harmoniosamente. É o último cigarro e um pouco de cinza caiu no sofá. Tudo bem, nada que um pouco de amor de amigos não resolva. E a lua ia crescendo, as pessoas lá fora iam morrendo, as baratas passeando e nenhuma osga pra cair na cara de ninguém. Só um lençol e dois travesseiros, uma cama de madeira com os pés em falso e um pouquinho assim de inocência. Um gole de água, os lábios molhados e a respiração mais perto, descompassada com a sua. Embora nunca tivessem tentado, aconteceu. E se beijaram até o mundo acabar.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Tame Impala "Innerspeaker"

Entre meus amigos rola uma discussão que parece não ter fim, aquela questão polêmica que instiga nossas cabecinhas retardadas: o rock de hoje em dia é tão bom quanto o que era feito antigamente? Com a descoberta da banda Tame Impala o debate ficou mais interessante. Esses australianos se lançaram recentemente no cenário internacional e já se tornaram um fenômeno no meio alternativo, tocando em vários festivais por aí. Depois de ouvir o primeiro álbum deles (por enquanto o único), me assustei. Fazia tempo que algo não me surpreendia tanto, e o som psicodélico deles me agradou muito.

A primeira coisa que chama atenção no rock do Tame Impala é o vocal de Kevin Parker, que se assemelha fortemente com o do beatle John Lennon. E a semelhança com o fab four não pára por aí. A mixagem do disco é toda vintage, com destaque para a bateria, que parece ter sido gravada com um canal apenas. O som da banda é inspirado fortemente na década de 60 e as bandas psicódelicas da época, principalmente os Beatles e mais especificamente dois álbuns deles: Sgt. Peppers e Magical Mistery Tour. O que se percebe é que o grupo faz uma retomada ao passado, acrescentando sua musicalidade a gosto.

Seu estilo já fica bem claro na primeira música, "It's Not Meant To Be", com guitarras viajantes e uma linha de baixo muito bonita. Parker, o homem por trás do álbum (sendo que mais dois músicos gravaram algumas coisas também), usa vários efeitos na sua guitarra para tirar um som lindo, marcante, que permeia por todo o Innerspeaker ao lado do baixo e bateria mais rústicos - mas não menos trabalhados - e um senso melódico afiado. Vale a pena destacar as músicas "Alter Ego", com sua frase de guitarra - ou synth? - linda (viajo muito nessa); "Why Won't You Make Up Your Mind", com um ar meio etéreo e versos grudantes; "Solitude Is Bliss", que tem um clipe muito bacana (jogue no youtube); "Runaway, Houses, City, Clouds", piração de sete minutos, viagem pura e psicodélica do jeito que a gente gosta; dentre outras.

Apesar de a semelhança com o rock sessentista e setentista ser inevitável, após ouvir sua primeira obra, Innerspeaker, eu acredito que o Tame Impala faz algo mais do que simplesmente olhar para trás. A banda acrescenta algo novo no cenário do rock atual, não que seja melhor ou pior do que qualquer coisa. É a prova de que o passado é sim maravilhoso, com bandas maravilhosas e tudo, mas a boa música não se restringe apenas a esta época e ninguém está esperando o Messias chegar para ser o próximo Pink Floyd ou Led Zeppelin da vida. O Tame Impala faz essa sincera e apaixonada homenagem às bandas do passado, mas cria um som pra frentex que vai agradar tanto a galera retrô quanto a galera hipster.

Um agradecimento ao meu primo Lucas Estrela (que vai ficar meio puto de ver isso  aqui, mas tudo bem) e um beijo para vocês