segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Albert Camus "O Estrangeiro"

Esse livro foi uma grande surpresa para mim nessa despretensiosa tarde de Segunda-Feira. Depois de ter lido o maravilhoso romance de Franz Kafka, "O Processo", procurei por uma leitura curta e aparentemente interessante. Daí lembrei desse "O Estrangeiro" que estava na minha estante há um bom tempo. Aliás, ele pertencia ao meu avô, e trata-se da primeira edição da obra no Brasil, pela Abril Cultural, de 1972 (!). E surpreendemente o livro não me deu alergia, pois estava lindão com as páginas muito pouco amarelecidas. Mas enfim, vamos se ater a obra em si, que é muito bom.
 
A música "Killing An Arab" do grupo The Cure, é inspirada no livro

O protagonista chama-se Sr. Meursault e é um daqueles personagens peculiares (perturbados, talvez?) que permitem-se a identificação se você é um deles - ou se tem um pouquinho deles aí dentro, o que provavelmente é verdade. Logo no primeiro parágrafo da narração, que é em primeira pessoa, percebemos que o tal Sr. Meursault é um sujeito indiferente ao mundo, e que tem um certo modo especial de lidar com as coisas: até mesmo a morte de sua mãe não parece lhe abalar. E a sua personalidade apática só se reafirma ao decorrer da primeira parte da história, que é pontuada com um desfecho trágico.



A segunda parte funciona como uma prova à pessoa de Sr. Meursault, que se vê diante de uma grande reviravolta na sua costumeira rotina. E aí a obra me lembrou o último livro que li, não por serem parecidos, mas por levantarem uma mesma questão: a culpa. O livro no caso é o já mencionado "O Processo". Vale ressaltar, com muito cuidado, que são livros diferentes que tratam de assuntos diferentes, mas que na minha opinião me ajudaram a pensar nesse negócio de culpa, justiça, responsabilidade, justamente por terem esses pontos em comum (mas apesar de nem sempre demonstrarem o mesmo posicionamento quanto a estes).


Caminhando para um final pessimista (ou otimista, depende de você), o livro demonstra como até mesmo um ser lunático, interpretado como um alienado em um ambiente normal, tem tudo a ver com a realidade. Afinal, como diz o livro em suas últimas páginas, em uma incrível epifania do Sr. Meursault, todo mundo é culpado do mesmo jeito, e condenado à mesma sentença. E se o mundo é indiferente, podemos pelo menos nos confortar em sermos indiferentes também.


Um beijo para todos e mais uma incrível recomendação literária do seu querido Mateus Pratagy s2



terça-feira, 4 de outubro de 2011

Parte Um (Depois vem mais)

Está tudo pronto para o jantar. Refrigrante, pão careca (quentinho, acabou de sair do forno), queijo, presunto, manteiga. Tudo nessa sacola plástica branca meio que pesada que é carregada de modo a flutuar apenas alguns centímetros do chão. Chão sujo, fedido, sai até uma fumaça decorrente da chuva que acabou de cair. Faltam apenas alguns minutos para estar em casa, e o caminho que falta para chegar denuncia o seu atraso e a sua lentidão. Não tinha jeito, era sempre o último: o último da classe, o último da corrida da Educação Física, o último a chegar em casa para o jantar de todos os adolescentes que tinham que estar em casa na hora do jantar. A vida não é mole, meu amigo! Muito menos dura, afinal, a vida não tem forma física.

Havia um fato muito bom de estar andando pela rua a noite, com aqueles sacos sob os braços: as luzes dos postes eram muito bonitas. Eram douradas, fracas, com um brilho de criminalidade e delinquencia. Mas disso já estava farto: assistia todos os dias ao Jornal Nacional, banquete de sangue e derrame de vinho. Infelizmente, pelo jeito que iam as coisas, teria que romper o hábito hoje: a essa hora, já estava começando a novela das oito. Sem maiores preocupações: a violência e o desgosto estão na cabeça de quem os cria. Se bem que já chega de afirmações absolutas, absoluto só o tempo mesmo, que ia correndo um pouco mais rápido do que seus pés. E aqui há duas coisas a se comentar. Primeiro que, isso só reafirma o seu hábito de estar sempre em último. E segundo: caimos em absolutismos de novo.

Aliás, nada melhor do que afagar uma culpa de escritor do que tornar o leitor cúmplice do seu erro. (E vá lá, meu último absolutismo. Ou nosso, que seja.)

Sabe quando, progredindo em linha reta, as coisas acabam saindo confusas demais e, apesar de o objetivo continuar o mesmo, os meios ficam tortuosos? É como se pode explicar o que aconteceu: de um movimento retilínio, foi-se para um movimento em zigue-zague de pés pelo asfalto molhado. As luzes dos postes refletiam nas poças de água e pareciam ainda mais bonitas do que eram de verdade, acrescentavam prazer de andar pela rua - mesmo que pisando nessas poças e espalhando água pela calça . Surgia uma vontade louca de amar cada gato preto que passava por baixo de uma escada, cada velha fazendo croché ao som da novela dentro de suas casinhas decimonônicas, cada muro pichado de palavrões. Fica a dúvida se havia tanto coração para isso. Engraçado como para uns a falta é o excesso, e vice-versa. Veja o caso da Coca-Cola, quando ficar quente, ficará ruim, e amargurada para o resto da vida – enquanto que com o pão, é frio que fica desgostoso. Mas é claro que tudo isso se resolve com uma geladeira e uma chapa quente, respectivamente.

Do mesmo jeito que um rancor no coração se resolve com um beijo na testa.