terça-feira, 26 de julho de 2011

Flamingos

De certa forma, a morte de Ivan não lhe trazia nenhuma tristeza ou pesar, e o ambiente genérico de um funeral não parecia lhe abalar tanto quanto aquele outro funeral três meses atrás do qual comparecera. Marcos não era de fato um homem forte, mas nem muito sensível. Tinha uma certa instabilidade de seu líquido emocional interior, aquela substáncia que se move em cores psicodélicas dentro do âmago de quem tem uma certa instabilidade mental e física. Não que essa seja aquelas caractéristicas que segregam pessoas e as abandonam no fundo de quartos com remédios tarja preta, ou mesmo no fundo de manicômios. É apenas uma instabilidade da qual todos os seres humanos uma certa vez na vida experimentam, e que Marcos estava experimentando agora mesmo no funeral de Ivan.

A morte de Ivan, como pode-se perceber, é uma referência literária frajuta que um pobre autor de dezesseis anos preparou às três da manhã, pensando que algo interessante poderia sair daí. Se para o leitor interessa mais a morte de Ivan ou o personagem de Marcos, não importa, pois importante mesmo é se Rebeca irá cortar o fio vermelho ou o fio azul. A vida de trezentas pessoas está em uma possiblidade exata de cinquenta por cento (ou não, se considerarmos a predileção dela por rosa, que é mais próximo do vermelho): se Rebeca saberia desativar a tal da Bomba Atômica.

Mas toda a humanidade será poupada dessa besteira de voo do urubu, menino fumando na privada, velha gorda gritando, almas do inferno no filtro de seu Malboro Red: dessa vez a luz branca guiará todos para o fim do túnel, já que incoerências matinais após cada vírgula serão enterradas bem fundo junto com o caixão de Ivan. E ninguém vai derramar uma lágrima, porque Marcos vai chorar por todo mundo lá no fundo do seu quarto, tomando remédios com tarja de flamingos.

domingo, 17 de julho de 2011

As Duas Marias

Maria estava retocando a maquiagem ao redor dos olhos, reforçando o preto que já era forte, tudo para parecer com alguma coisa que ela no fundo não é. Tudo bem, não podemos sair julgando por aí se ela é ou não, mas a sua irmã Maria achava mesmo que ela não era. Ah sim, vamos estabelecer uma diferença, já que as duas se chamam Maria: a primeira, da maquiagem forte, atenderá por Maria Helena em nossa história, enquanto a outra será Maria Clara. Na verdade, as duas se chamam simplesmente Maria mesmo, mas convenhamos que Maria Helena e Maria Clara é melhor do que Maria Um e Maria Dois.

Maria Clara detestava maquiagem, ainda mais maquiagem pesada. Gostava apenas de arrumar o cabelo, embora ficasse linda de cabelo solto mesmo, jogando-o por trás das orelhas. As duas mal conversavam, embora estivessem uma do lado da outra. De vez em quando alguma pedia um objeto para a outra emprestado, o que era perfeitamente normal (quando não estavam brigadas, é claro), mas dialogar que é bom, nada. Havia uma certa tensão no ar quanto à comunicação das irmãs.

Maria Helena era meio que a avant-garde das duas, adorava se vestir estranhamente e agir mais estranho ainda, embora no fundo caísse no clichê adolescente de meninas na flor da idade. Por isso mesmo, Maria Clara era a mais sensata das duas, e embora parecesse ser mais pé no chão, tinha uma imaginação mais aguçada e sentidos à flor da pele, abertos ao mundo e as experiências novas. Só não sentia uma vontade louca de estampar isso na testa, por isso mesmo sentia-se linda de cabelo solto e por trás das orelhas.

Se arrumavam para um baile, e tinham que estar bonitas porque o pretendente de sua mãe estaria lá, e todas teriam que estar apresentáveis. De repente, a tensão no ar rompeu-se quando a mão de Maria tocou a mão repousada na coxa de Maria. Apertaram-nas, e aproximaram o rosto. O olhar de cada uma contia agora uma certa tensão sexual, o que resultou em um beijo. Não exatamente um beijo, mas aquele tipo de beijo em que os lábios ficam roçando uns nos outros, e a respiração vai ficando mais forte. Se beijaram até o mundo acabar.

sábado, 16 de julho de 2011

A História Mais História de Todas

O Respeitado Homem de Alta Posição Social caminhava na Rua Principal da Cidade Mais Linda de Todas, enquanto assobiava uma bela canção de um novo disco que tinha ouvido, o Disco Mais Bonito de Todos os Tempos. A música era tão boa, e a melodia tão grudenta e ao mesmo tempo suave, que o homem não parava de assobiar, o dia inteiro. Quem não gostava mesmo de seu andar serelepe e canto feliz era o mendigo, o Mendigo Mais Mendigo de Todos.

O senhor, rico e tudo, foi até o mendigo - isso mesmo, ele dirigiu-se ao indigente por conta própria! - e cumprimentou-o. Por pura falta de educação e mal querência, o pobretão ignorou o Respeitado Homem, e deu uma cusparada no chão. É claro que, o homem ficou extremamente desconcertado com esse desrespeito. Pulando a cordialidade, tentou puxar assunto comentando sobre sua cunhada que estava precisando de um jardineiro, e que um emprego faria bem a um mendigo jogado nas ruas por aí.

Novamente, o Mendigo Mais Mendigo de Todos agiu com desrespeito e intolerância e deu outra cusparada, só que desta vez no sapato de couro perfeitamente engraxado do Respeitado Homem. Ficou boquiaberto como outrora, porém nada magoado: o homem rico entendia perfeitamente que o sol não nasce para todos, e tentava se imaginar no mesmo papel. Só não entendia porque cuspir logo nele, quem sempre oferecia emprego e jantares na sua casa para o homem pobre.

Sentou-se no meio-fio da calçada e passou o braço em cima do ombro do mendigo. Começou a cantar aquela mesma música do Disco Mais Bonito de Todos os Tempos, mas o mendigo ficou mais fulo ainda, levantou-se de uma vez, botou a mão no bolso e pegou uma moeda de ouro. Fez um gesto oferecendo o objeto para o homem rico sentado na calçada, assim como os homens ricos oferecem moedas de ouro aos mendigos sentados na calçada. Tendo o homem aceitado a moeda, o mendigo deu de costas e saiu andando pela rua, assobiando aquela melodia bonita do início da história.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Mais Alguns Parágrafos

No rosto refletido pela lagoa iluminada à meia-luz jazia um certo desespero, misturado à uma pseudotranquilidade, por mais que essas duas sensações pareçam ser opostas uma a outra. O suor pingava da testa até a água, e os sapos saíam da terra para ir nadar, e vice-versa. Com as duas mãos, o sujeito lavou seu rosto repetidamente como alguém que tenta lavar a alma de um pecado horrendo com água benta. Era inútil, a sua retina ainda continha aquela imagem terrível, enquanto a retina do velho Sebastião ainda continha a sua imagem: a figura do assassino, que agora chora sem parar à beira da lagoa.


Quando nascem, as crianças de boas famílias crescem com a ideia de separar quem é do bem, e quem é do mal. Paulo, de fato, foi uma dessas crianças. Quando poderia imaginar-se um assassino? Em contexto algum tamanho absurdo seria um futuro palpável, era impossível: criado com a melhor das educações que uma família classe média podia lhe dar, formado em um dos melhores colégios particulares da cidade. Jogava bola todos os finais de semana, tocava violão e tudo o mais. Ao crescer, infelizmente, caiu na problématica que muitos recém-adultos se encontram: desempregado, desiludido e o pior de tudo, apaixonado por uma menina da sociedade. 


Por um amor que supostamente devia estar morto nos romances do século dezoito, devido suas proporções românticas sem tamanho, Paulo assassinou um homem de idade, de posses e influência, em nome de sua amada. Mal conhecia o coitado, então a ideia de assassiná-lo por dinheiro e perspectiva na vida pareceu-lhe aceitável. Apenas um fato parecia ao mesmo tempo puxar-lhe para um lado e para o outro: o velho Sebastião era ninguém menos que seu pai biológico. O homem que teve um caso com sua mãe, a boa Dona Clô e fugiu de casa, deixando para ela apenas a esperança de um dia tudo ficar bem novamente.


Simultaneamente, o ódio por um traidor e a compaixão por um familiar tomaram o coração de Paulo, que de fato gostaria muito da herança que essa morte poderia lhe proporcionar. O casamento, a estabilidade, uma nova casa, um carro, tudo, tudo pesava na balança de um sujeito desgraçado que nada tinha a perder com esse crime, apenas sua sanidade. Não que ela estivesse sã só de deparar-se com a ideia do ato, mas poderia ir água abaixo de vez.


A conclusão desse dilema vocês já sabem, e talvez a falta de clímax tenha os decepcionado bastante. Mas não há como ignorar que, como Paulo, são poucos os que abandonam sua sanidade para tomar um rumo tão obscuro em suas vidas. Na maioria do casos, a opção de manter ou não uma mente sã não existe. E para os que nascem assim, só mesmo a sorte para afortuná-los de uma vida boa, ou se não vivem da desgraça mais desgracenta possível, daquela desgraça que é tão desgracenta que os engraçados ainda tentam deixar mais desgraçada ainda. E conseguem.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Quatro Paragráfos

Observando a poça d'água iluminada, mascando chiclete de morango, não estava ninguém, porque não tinha ninguém na rua. Em uma quitinete, sentada na beira da janela, aí sim estava alguém - sem roupas, aliás  - uma mulher chamada Maria. Mas ela não tinha nada para falar, então não pode-se falar nada sobre ela. Em uma casa no subúrbio, uma mãe pega o filho fumando sentado na privada. Talvez isso renda mais um paragráfo, ou dois, quem sabe.

Mal sabia tragar, o menino, mas a mãe fazia questão de fazer frango com batatas todos os dias, ao invés de cozido de carne, como pedia o filho. Infelizmente, de pequenas divergências é que se encontram agulhas no palheiro, enquanto pêlo em casca de ovo, que é bom, nada. O cigarro era ruim, a velha gorda gritando pior ainda, mas a sensação de poder voar como urubu em pleno céu do Ver-O-Peso era algo que o menino adorava: não que ele quisesse isso para o resto da vida, mas fazia questão de ler obras de Oscar Wilde todas as sextas-feiras.

Um negro sujo fedido e violento comia pão com ovo na esquina da Braz de Aguiar com Doutor Moraes enquanto um casal fazia amor até doer em um quarto escuro localizado no filtro do menino que fumava na privada da sua casa no subúrbio. Se a localização de subúrbio é do interesse de alguém, esse interesse está além até mesmo da sabedoria de Cícero, embora esse filósofo seja bem cultuado nos dias de hoje.

A expectativa era grande, e maior ainda é a expectativa de uma incoerência após uma vírgula, seja aqui, ou a milhas de distância do olho do urubu que voa sobre o Ver-O-Peso. Mas o que ninguém esperava, de verdade mesmo, era que aquele negro sujo fedido e violento comedor de pão com ovo um dia seria o homem que concertaria a bicicleta do menino que fumava na privada. Como os dois foram se encontrar, é uma resposta que está guardada dentro do filtro de um cigarro alheio, assim como um casal fazia amor dentro de outro filtro, porém de um cigarro conhecido, e já citado, aliás. 

domingo, 3 de julho de 2011

Videogame é arte?

Sempre que li ou ouvi algo sobre esse assunto percebi uma certa parcialidade na hora de responder à questão: jogos são arte? A verdade é que se a resposta vier de um viciado que chora quando o Link derrota Ganondorf em "Legend Of Zelda", pode apostar que será positiva. Então, vamos deixar essa frescurinha de quem joga PS2 cinco horas por dia ou não de lado, e levantar essa questão na boa, na paz. Afinal, é uma boa pauta que rende bons comentários. Indo direto ao ponto: não, eu não acho que videogame seja arte. Hehe.

Vejamos, "Super Mario Bros." tem música e tem visual. É praticamente um filme, só que você pode controlar a história (mais ou menos, mas vamos fingir que dá). E filmes são considerados arte, né? Então qual o sentido de eu achar que os jogos não são arte? Por um motivo bem simples: jogos são feitos para entreter (e vender, consequentemente), só isso. Arte, primordialmente, antes de conter algumas (ou todas) das belas artes, parte de um conceito básico: tem que expressar sentimentos humanos. O artista, ao fazer arte, está passando uma expressão e botando uma parte dele ali, naquela obra. E nos videogames, aonde é que fica a expressão do artista? 

Então quer dizer que Shigeru Miyamoto botou uma parte dele ali, na hora de fazer Mario, e todo aquele jogo representa seu estado de espírito, ou uma visão de mundo? Pois é isso que faz uma boa fotografia, ou uma pintura. Representam opiniões, ou, como eu adoro dizer, "todo um espectro de emoções humanas". O tal do Shigeru, como ele mesmo afirma, é apenas um entertainer! Ele faz os jogos de acordo com o mercado, de acordo com o que o público quer, e produz o mais vendável possível.

Veja bem: jogos podem conter arte dentro de si, mas não estão com o propósito de arte na sua sala de estar. Assim como o "mijatório" também não está com o propósito de arte no banheiro público da sua escola, apesar de ser uma bela duma obra de arte no caso de Fonte, do artista Marcel Duchamp. Jogos são feitos para entreter, um sofá é feito para sentar, um mijatório é feito para urinar: o que pode torná-los arte é o contexto, o propósito.
Sendo assim, vocês, que curtem os games (eu curto também, pra deixar claro), podem comentar aí de boa, mas sem essa parcialidade chata que preenche revistas especializadas e blogs afirmando que games são arte. Podem defender os games como arte, mas de uma maneira inteligente, como manda a cartilha da boa discussão. 

Beijoca (que eu tenho que acabar com o mundo nove aqui no Mario) 

sábado, 2 de julho de 2011

Não liga, tu és lindo.

Well, well, well, my drugs. Esse é o primeiro post depois das muitas comemorações, festas e parabenizações pelo aniversário do blog e... nada, só achei que devia comentar. Como aqui ninguém se importa com números e datas, vamos ao que realmente constrói esse maravilhoso complexo de ideias.
Recentemente, notei alguns comportamentos estranhos de diversas pessoas, inclusive de amigos, que me deixaram surpreso. Quer dizer, ao menos esses comportamentos deveriam ser estranhos, mas o meu medo e motivo desse post é exatamente o de parecer que eles não o são. Me refiro a comentários a respeito do que é belo, feio, econsequências dessas visões. E agora pretendo fazer algumas considerações à respeito.

Primeiramente vos pergunto: você, sagaz leitor, já parou um instante pra pensar por que considera figuras como Scarlett Johansson e Brad Pitt donos de extrema beleza? Não é uma pergunta tão simples de ser respondida, e nem por isso tão difícil. Mas o curioso, e ao mesmo tempo triste, é que nós nem ao menos temos controle de tomar essa decisão por nós mesmos. Sim, pois o conceito do que vem a ser feio ou bonito não somos nós que determinamos, e sim o sistema. Pois é, eu juro que queria evitar essas palavras vistas em todos os meus posts como sistema, capitalismo e outras, mas não deu.
Fato é que a nós é imposto tais conceitos. Isso acontece porque a mídia tem o poder que infelizmente Jesus Cristo não teve: o de nos influenciar da maneira que quiserem e o de fazer de nós o que quiserem. E cabe a ela decidir o que nós achamos de melhor no corpo das pessoas. Essa afirmação pode ser facilmente sustentada pelo fato de a visão do belo ter se modificado no decorrer dos séculos, e ainda mais nas últimas décadas com essa fase assustadora que vive o capitalismo - tsc, falei de novo.
Talvez quem estava realmente correto nesse assunto eram os homens das cavernas. Claro, afinal tudo era instintivo. Sem mídia para controlá-los, provavelmente eles(as) viam o verdadeiro belo nas pessoas, sem controle e escrúpulos. Contudo, essa não é a sociedade em que vivemos. E por isso vemos as coisas do modo como nos é dito pra serem vistas. De que forma? Se você nunca percebeu, aqui vai: através dos meios de comunicação visual - televisão, outdoors, revistas e etc. - somos, à todo momento, bombardeados pela beleza estereotipada por quem manda. E claro, como tudo nesses tempos é mercadoria, isso não deixa de ser.
Justamente por termos essa imagem introduzida em nossos corpos cranianos, tentamos
de todo modo acompanhá-las. E assim sustentamos o capitalismo, perseguindo não o belo, mas o que eles nos fazem achar belo. Academia, cremes, tratamentos capilares, roupas, dietas, maquiagem, dermatologistas... enfim, tudo em prol de alcançar esse estereótipo. Entretanto, isso não é o que mais indigna, afinal é só mais uma forma manter o sistema. O que me amedronta de verdade é o fato de que esse comportamento está cada vez mais presente e forte que os que não se submetem ou conseguem atingir o patamar de beleza desejável estão com
eçando a ser discriminados! Simplesmente, um absurdo!
Essa Sociedade Sem Espinhas está tão presente em nossas vidas que chegou a um ponto onde um adolescente se sente envergonhado de ir a uma festa com uma espinha no rosto. Algo que nem devíamos ter o poder de interferir já que é algo totalmente natural, biológico. Ponto esse em que um rapaz tem que implorar pra que sua namorada não use chapinha - pois é, acontece se é que me entendem.
Talvez Adous Huxley acertou mais uma ao colocar esse comportamento ao extremo no maravilhoso livro O Admirável Mundo Novo. Visão essa que foi vista com olhar de ridicularização na época, porém que a cada dia que passa, vemos se perpetuar. O pior é que com o passar do tempo, outros paradigmas virão, e, consequentemente, outras concepções de beleza, e o ciclo se renovará e continuará, e talvez os lindos de hoje sejam olhados com risos no futuro.


Sinceramente, não quero viver em uma sociedade onde eu não tenha o direito de ter espinhas e cabelo enrolado.